Evaldo Ferreira da Silva

No final de 2021, o Curso de Formação em Psicoterapia Psicanalítica formou o aluno Evaldo Ferreira da Silva, que desenvolveu uma pesquisa bibliográfica sobre o racismo sofrido pela população negra no Brasil, sob orientação da professora Vânia Maria  Martins Lopes. A seguir, conferimos um breve resumo de seu trabalho.

No Brasil, o racismo está presente no nosso cotidiano. Ele não é assumido socialmente, mas é aceito e há silêncios a respeito, decorrentes de razões distintas ou até contraditórias. Esses silêncios, quando não fortalecem o racismo, o mantém, pois resultam no não enfrentamento. E diante de lamentáveis episódios de racismo noticiados ou  presenciados, pouco ou quase nada vemos no sentido da mobilização da sociedade e das instituições. Temos, por vezes, comoção, entretanto  em geral estas  não chegam a romper o imobilismo, assim se perdem, se esvaziam, sendo pouco ou nada valorizadas num eventual e possível processo de desconstrução de preconceitos raciais enraizados.

Almeida (2019) compreende o racismo como ideologia que molda o inconsciente. Assim, independe de uma ação consciente para existir, já que ele é estrutural, abrangendo economia, política e subjetividade. No senso comum é frequente interpretações equivocadas  sobre racismo,  sendo também frequente, vítimas de racismo não serem compreendidas nas suas queixas e suas dores.  Discorremos a seguir sobre três concepções de racismo as quais Ameida (2019) traz  distinções.

Individualista: É a mais corriqueira, e para quem assim o concebe, entende o racismo como um ato, que está sempre vinculado ao ato, deliberadamente, desse modo é resultado de uma ação de um indivíduo, ou de grupos de indivíduos. Na concepção individualista, o racismo é uma anormalidade.

Institucional: Não se manifesta apenas a partir de atos individuais. Basta apenas não tomar ações necessárias para coibir, como por exemplos o silenciamento, salário menor para o homem negro, e menor ainda para a mulher negra, pois as instituições nos seus modos de funcionamentos criam condições para que isso ocorra e  permaneça.

Estrutural: É estrutural porque integra a organização econômica e política da sociedade de forma inescapável, fornecendo assim o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas  de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. É então uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional, pois os comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo racismo é regra e não exceção.  O racismo não é só violência, ele forma os indivíduos, as instituições, cria cenários, com atores e papeis outorgados. Assim o racismo  não é uma anormalidade, exceção, mas algo que se constitui enquanto um parâmetro normalizado nas relações. Diante disso, ocorre uma acomodação, naturalizamos e aceitamos os papeis socialmente   construídos.  Para Schucman (2008) o racismo é estrutural e estruturante da subjetividade, pois o branco tendo se colocado à parte das questões raciais, ficou como um padrão universal de norma e normalidade, ocorrendo inclusive, o que Bento (2002) denominou de pactos narcísicos da branquitude, por isso haver entre outras coisas,  negação da problemática do racismo, alianças inconscientes intergrupais,  manutenção do poder e privilégios brancos.

Diante de toda a complexidade do que é o racismo, para ser antirracista é necessário um conhecimento sobre racismo e é fundamental perguntar-se. O que tem de racista em mim? Para assim reconhecer e ser possível uma mudança, uma transformação, segundo Paim (2020), sendo necessário para isto, olhar a branquitude por um viés crítico. A pesquisadora Lia Vainer Schucman, traz em seu trabalho “Teorias críticas da branquitude”  uma descrição    a respeito da brancura construída socialmente, como um lugar de poder e privilégios, citando entre outros autores,  RAMOS (1957) “A patologia do branco brasileiro”, compreendendo como uma patologia, o que fora acontecendo historicamente, de o branco estudar o negro como objeto negro, devido à construção social de que ele branco é universal, e os demais têm raça.

Pesquisamos na Revista Brasileira de Psicanálise, no período de 2009 a 2021 (disponível no site da FEBRAPSI), os artigos publicados sobre, cujo resultado discorremos a seguir, de  maneira a ilustrar bem:  Em 2009,     2010, 2011 e 2012, não houve nenhum artigo publicado pela Revista Brasileira de Psicanálise. Em 2013 houve um. Em 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018, novamente não houve nenhum. Em 2019 houve um. Em 2020 foram três. Uma observação: além desse resultado, encontramos também um artigo não sobre sobre racismo, mas sobre adoção inter-racial. A pouca quantidade de artigos publicados, bem como os hiatos entre eles nos fez pensar e nos perguntarmos: se o racismo permeia e rege relações huamanas no nosso cotidiano, se temos episódios e mais episódios de racismo, e desdobramentos  como, mortes, adoecimentos, injustiças de todas as ordens, exclusões, incompreensões, violências, traumas psíquicos e físicos… por quê o racismo não tem sido objeto de interesse para estudo, no âmbito psicanalítco? Por quê os silêncios? Ainda que atualmente percebe-se alguma mudança, há muito o que avançar, pois “ sendo poucos os trabalhos, são menos ainda, os com especificidades” Paim (2020).  Curiosamente, a primeira tese de mestrado no Brasil a abordar sobre o racismo é de Virgínia Bicudo, cuja tese só foi publicada 65 anos mais tarde e, apesar de todo o seu pioneirismo, importância e contribuições para a Psicanálise no Brasil, e de muito ter contribuído para difundí-la, Virgínia sofreu uma invisibilidade, segundo Pereira (2018),  não tendo havido uma valorização de suas produções dentro da bibliografia psicanalítica acadêmica, o que Conceição (2020), chamou de apagamento da história, por causa do racismo e machismo existentes na nossa sociedade.

Este trabalho nos possibilitou caminhar para um letramento racial, uma alfabetização  sobre racismo, de modo que conseguimos aprender sobre  o que é o racismo estrutural, que ele estrutura nossa subjetividade, e ter podido caminhar para ter  consciência racial  fica evidente que “o racismo ocorre porque o branco precisa do negro  como depositário” Paim (2020),  que os psicanalistas brancos, precisam dar conta disso primeiro em si, para num segundo momento dar conta disso no outro,  que a branquitude como um lugar de poder traz privilégios, que geralmente as conquistas são  compreendidas apenas como uma questão de mérito, e não de uma sociedade que privilegia o branco e exclui o negro, e que portanto numa sociedade racista, não há democracia. 

O trabalho completo pode ser consultado na Biblioteca “Alfredo Menotti Colucci” do Núcleo de Psicanálise de Marília e Região. Agende sua visita! Para mais informações: biblionpmr@gmail.com ou (14) 3413-3307 – (14) 99614-6782.

 

SILVA, Evaldo Ferreira. A Psicanálise diante do racismo: um olhar sobre o racismo sofrido pela população negra no Brasil. 2021. Monografia (Especialização) – Curso de Formação em Psicoterapia Psicanalítica, Núcleo de Psicanálise de Marília e Região, Marília, 2021.

Vocês podem ver também sobre o tema na biblioteca em:

PAIM FILHO, I. A. Racismo: por uma psicanálise implicada. Porto Alegre: Artes & Ecos. 2021, 79p.

Evaldo Ferreira da Silva – CRP 06/136087

Psicólogo pela FAP – Tupã – SP
Formação em Psicoterapia Psicanalítica pelo NPMR
Membro agregado do NPMR

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