Os Bebês Reborn são bonecas que imitam recém-nascidos, produzidas artesanalmente com características e materiais que fazem parecem com crianças de verdade, e que tem ganho popularidade entre os adultos nesses últimos meses. Esse tipo de boneca existe desde o começo dos anos dois mil, mas vem sendo aprimoradas com novos materiais há cerca de 3 anos e com isso ganham cada vez mais aparência de bebês reais. Essas bonecas andam sendo tratadas como se fossem crianças de verdade com direito a consulta médica e até simulação de parto. Algumas vem com cordão umbilical, recebem certidão de nascimento e carteira de vacinação.
As vendas aumentaram nos últimos meses graças a viralização das bonecas nas redes sociais, no entanto a maioria das compras sempre foi voltada para crianças e colecionadores que são o público-alvo dos fabricantes. Assim como para atividades de simulação em hospitais, faculdades, profissionais e doulas que utilizam as bonecas para simularem partos e cuidados recém-nascidos.
O uso de Bebês Reborn por adultos tem esquentados discussões sobre o assunto. De um lado há quem critique e até questione a sanidade mental de mulheres e homens adultos “brincando de boneca”. Em uma matéria publicada no Jornal ‘O Estado de São Paulo’ (17/05/2025) sobre o assunto o psicólogo Marcelo Santos, professor da Universidade Mackenzie, diz que a popularização do brinquedo por adulto pode ter benefícios à saúde mental. Isso porque permite criar comunidades, favorece o senso de pertencimento e a interação social, além de estímulo criativo e relaxamento. É importante analisar quais os contextos e as motivações por trás desses comportamentos.
O limite entre hobby e problema de saúde mental está na frequência, intensidade, distorção da realidade e impacto na vida e rotina do indivíduo, diz a psicóloga Rita Calegari da Hospital Nove de Julho. Torna-se problema quando usar o brincar para evitar lidar com problemas emocionais, traumas, situações difíceis ou a realidade da vida. Preocupa quando usa a brincadeira para fugir de sentimentos de solidão, ansiedade e tristeza. E é um problema também quando a pessoa prefere a companhia do brinquedo ao de pessoas e vínculos significativos e sociais.
Um hobby é saudável quando enriquece a vida proporcionando alegria e aprendizado sem gerar consequências negativas em outras áreas diz o psiquiatra Alaor Carlos de Oliveira Neto. Cruza-se a fronteira entre o hobby e um possível desequilíbrio emocional quando não se distingue o cuidado fantasioso da realidade ou quando a interação com a boneca afeta a responsabilidades diárias.
Embora não haja um corpo teórico específico sobre o fenômeno dos Bebês Reborn a psicanálise pode ter algo a falar a partir de conceitos fundamentais como fantasia, o narcisismo, o luto e a sublimação. Algumas possibilidades de leitura seria função simbólica e reparadora – para algumas pessoas, especialmente mulheres que sofreram perdas. O Bebê Reborn pode funcionar como um objeto transicional ou substitutivo, permitindo simbolizar a perda, e pode oferecer forma de representação do desejo inconsciente de reparar, cuidar ou reviver um vínculo afetivo interrompido.
O Bebê Reborn é um bebê eternamente pequeno, passivo e silencioso, evita as angústias da alteridade. Uma criança real cresce, deseja, demanda já os bonecos não trazem mudanças, nem finitude. O Bebê Reborn pode representar um bebê perfeitamente controlável e que nunca frustra – uma forma de retorno imaginário a um estado de completude narcísica. Ele pode representar o desejo inconsciente de reparar, cuidar ou reviver um vínculo afetivo e interrompido.
Porém é preciso observar caso a caso, entendendo a linha tênue entre a realidade e a distorção que afeta a saúde mental.
Cibele di Battista Brandão Presidente do GEP de Marília e Região
13 de Maio. Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático para mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos.
…Nas prisões os negros eram os bodes expiatorios. Mas os brancos agora são mais cultos. E não nos trata com desprezo. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.
Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair. …Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles brada:
– Viva a mamãe!
A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o hábito de sorrir. Dez minutos depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim:
– “Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude catar papel. Agradeço, Carolina”.
…Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetaculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.
E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!
Trecho do livro ”Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada” Carolina Maria de Jesus.
O dia 6 de maio possui um significado especial para a Psicanálise, por ser a data de nascimento de Sigmund Freud, ocorrido em 1856. Em 2025, ele completaria 169 anos. Por esse motivo, essa data também foi instituída como o Dia do Psicanalista, em homenagem a Freud e ao impacto da Psicanálise na compreensão da mente humana.”
Como é amplamente sabido, Freud durante toda sua vida ativa produziu muitos textos, nos deixando um legado fenomenal. Seus trabalhos chegaram até nós, na língua portuguesa, traduzidos do inglês que, por sua vez, foi traduzido do alemão para o inglês pelo casal James e Alix Strachey sob a supervisão teórica e tutela de Ernest Jones(1). Essa primeira edição brasileira foi publicada a partir da década de 1970 pela Editora Imago em 21 volumes da Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud(2).
A partir de 2010 começou a chegar até nós os primeiros volumes editados pela Companhia de Letras(3), dessa vez, traduzidos diretamente do alemão em um trabalho primoroso. Paulo Cesar Souza traduziu diretamente do alemão praticamente toda a obra do pai da psicanálise e alguns desses pormenores são contados por Daniel Salles, do jornal Valor Econômico, de São Paulo(4). Conforme Paulo Cesar foi um trabalho de formiga tenaz e ele afirma isso para refutar a ideia de que se tratou de uma “tarefa” na hora de qualificar o desafio de verter para nossa língua a monumental, revolucionária e seminal pilha de escritos legalizados pelo pai da psicanálise. A tradução dos 20 volumes totaliza 8566 páginas e começou em meados de 1990. Sua tese de doutorado em literatura alemã defendida pela USP incluiu algumas das traduções que ele fez de textos de Freud.
Souza pontua que “[…] em determinado sentido, traduzir é cultivar a seara alheia”. Para ele(4) “[…] quando o tradutor tem talento literário, mas não exprime a si mesmo numa obra artística ou intelectual tem como restringido o impulso de autoexpressão”.
Mas ainda é melhor do que não cultivar seara nenhuma. Felizmente, para nós analistas, ganhamos com essa decisão de Souza de cultivar essa seara. Esse cultivo nos trouxe um trabalho belíssimo de tradução que redundou em uma compreensão mais acessível de uma obra tão complexa!!
Entendemos que o trabalho de tradução do legado de Freud diretamente do alemão para o português nos ajuda na compreensão e melhor interpretação dos textos, pois os psicanalistas devem fazer a leitura constante desse inestimável material. Essa leitura é algo totalmente imbricado na busca de tornar-se analista. Leitura imprescindível e fundamental!
Nesse 06 de maio de 2025 temos uma oportunidade para reconhecer o compromisso e a dedicação de todos que fazem dessa estimulante profissão seu motivo de crescimento, reflexão, escuta e o cuidado com o sofrimento psíquico.
Parabéns a todos vocês por fazerem parte dessa jornada e por contribuir com a formação de novos terapeutas e psicanalistas. Que possamos seguir explorando e ampliando a compreensão da mente humana ancorados no inestimável legado de Freud.
(1) TAVARES, Pedro Heliodoro de Moraes Branco. As novas traduções de Freud feitas diretamente do alemão: estilo e terminologia. TradTerm, São Paulo, v. 19, novembro/2012, p. 109-126. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/tradterm/article/view/47349 Acesso em: 22 abr. 2025.
(2) EDIÇÃO STANDARD BRASILEIRA DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE SIGMUND FREUD. Rio de Janeiro: Imago, 1969-1980.
(3) OBRAS COMPLETAS DE FREUD. São Paulo: Companhia das Letras, 2010-2025.
(4) SALLES, Daniel. Ninguém leu Freud no Brasil como ele: Paulo César de Souza traduziu diretamente do alemão praticamente toda a obra do pai da psicanálise. Valor Econômico, São Paulo, 21 fev. 2025. Eu&, p. 5.
Cibele di Battista Brandão Presidente do GEP de Marília e Região
O evento mais esperado do ano para o GEP Marília e região.
Estaremos realizando o Encontro Preparatório ao 30º Congresso Brasileiro de Psicanálise. O que isso significa? Significa, entre outras coisas, uma atividade científica que nos ajudará a refletir sobre o tema do Congresso Brasileiro, que será: “Sexualidade: O Tumulto das Diferenças.”
Agora, como uma das federadas da Febrapsi (Federação Brasileira de Psicanálise), receberemos em nossa sede, para a realização desse Encontro Preparatório, Luiz Celso Toledo (Presidente da Febrapsi), Ana Clara Gavião (Diretora do Conselho Científico da Febrapsi), Josiane Barbosa Oliveira (Diretora de Comunidade e Cultura da Febrapsi) e Jurenice Picado Alvares (Psicanalista da SBPSP).
Estaremos assim, também celebrando a merecida conquista de nos tornarmos um Grupo de Estudo Psicanalítico ligado à IPA (Associação Psicanalítica Internacional). Tudo isso é fruto de muito empenho e dedicação.
Regados por essa alegria, contamos com todos os interessados em Psicanálise para, num encontro afetivo, unirmos Ciência, Aprendizagem, Afeto e Conquistas!!! Sejam todos muito bem-vindos!!!
Cacilda G. Pompilio Vilas Boas Diretora Científica do GEP Marília e região.
A mulher desde os primórdios, enfrenta grandes desafios na direção do pertencimento. Ela desde sempre, luta pela igualdade de seus direitos. Ainda encontramos certos preconceitos, limitações, sarcasmos e ironias, desrespeito e abusos em nosso percurso. Somos mulheres continentes e temos um continente fertilizando o universo. Como diz, Milton Nascimento. “Os sonhos não envelhecem, em meio a tantos gases lacrimogênios”.
A mulher sonha, mesmo limitada, sonha. Ela é incansável. Ela espera, pacientemente. E seus sonhos são intermináveis. Lugares impossíveis, continentes pertencentes somente aos homens, hoje, lá estão as mulheres. Sua competência é infinita. Somos instigantes, sensuais, enigmáticas e incansáveis. Freud (1856-1939) refere-se às mulheres, em seus diversos textos. Em “Tabu da Virgindade” (1917), fez um interessante e rico estudo sobre as peculiaridades da vida sexual da mulher, levando em consideração desde os povos primitivos até a vida civilizada. Ele indaga, “Quem é o primeiro a satisfazer a ânsia de amor – trabalhosamente contida por largo tempo – de uma donzela, superando as resistências que nela se formaram por influência do meio e da educação, torna-se aquele com o qual ela forma uma relação duradoura, não mais possível para nenhum outro”. “A mulher é todo tabu”, diz ele. “Só não é tabu nas situações especiais que decorrem de sua vida sexual, na menstruação, na gravidez, no parto e puerpério; também fora delas o trato com a mulher está sujeito a tão sérias e numerosas limitações, que temos toda razão em duvidar da suposta liberdade sexual dos selvagens”, complementa. “Ali onde o primitivo ergueu um tabu,é porque teme o perigo…”,diz Freud.
Em “A questão da análise leiga”, Freud (1926/2006), enfatiza que, sabemos menos acerca da vida sexual das meninas do que dos meninos. Mas não é preciso envergonharmo-nos dessa distinção; afinal de contas, a vida sexual das mulheres adultas é um “continente negro” (Dark continente). Penso que esse “continente negro” a que S.Freud refere faz muito sentido, pela capacidade que a mulher tem, de reconhecer em si mesmo, continentes ainda por ser visitado, revisitado, conquistado e completamente desconhecido. A contemporaneidade ilustra, juntamente com a Psicanálise, que o feminino, gradativamente, desbrava esse “continente negro”. Acredito que a mulher junto com o homem na sua completude, poderão conquistar espaços ainda pugnando por nascer. Em nome do amor, tudo podemos. À todas as mulheres, um feliz dia e com muitos sonhos.
Maria Angelica Amoriello Bongiovani – Psicanalista, escritora, Membro Efetivo na SBPSP, Membro e docente do GEP de Marilia e Região.
A campanha “Janeiro Branco” foi criada em 2014 e em 2023 foi instituída como Lei Federal (14556/23) tornando-se um marco oficial no calendário brasileiro. Essa iniciativa começou em Uberlândia, tendo como idealizador o psicólogo Leonardo Abraão.
A Campanha tem por principal objetivo propor ações visando a prevenção do adoecimento mental, que pode levar ao adoecimento psíquico como a depressões em vários níveis, dos mais leves aos mais severos, muitas vezes trazendo serias consequências, levando a morte física ou psíquica se não nos atentarmos para a vida mental.
Neste ano, a campanha “Janeiro Branco” traz como tema: o que fazer pela saúde mental agora e sempre.
É comum no mês de janeiro traçarmos metas e fazermos reflexão sobre mudanças para recomeçar o ano com bons hábitos, entretanto, devemos nos lembrar que a mente não obedece comandos conscientes, somos fruto de uma história, carregamos um passado e marcas que ficam em nosso inconsciente que muitas vezes não nos permite mudar de hábitos tão facilmente e na maioria das vezes os hábitos que não são bons estão ligados a angustias, ansiedades que vem do nosso mundo interior. Neste sentido penso que janeiro é sim um marco para nos atentarmos para o passado, o presente e ter esperança no futuro. Digo isso no sentido de buscarmos fazer uma reflexão sobre como levamos a vida, ao que estamos dando importância, de janeiro a janeiro!
Em tempos de tecnologia avançada, somos cobrados a agir de forma rápida e a vida mental fica destinada ao tempo cronológico, sequencial, mensurável que se associa à finitude – Chronos – rei dos titãs que tudo devora, se perde a qualidade do tempo vivido, tempo de Kairós , filho de Zeus e de Tyche, deusa da prosperidade, que está associado a algo especial e oportuno, que acontece no instante valioso do presente, tempo que faz o acontecimento ser memorável em sua significância.
Nosso mestre Freud, fala da fruição como uma forma de liberar tensões psíquicas, o que permite a experiência de satisfação ou realização. A fruição pode estar ligada ao prazer imediato ou está relacionada ao prazer ligado a experiências criativas, ligada às artes. Se tivermos imbuídos da arte que o outro cria, estaremos cuidando da nossa saúde mental, podendo receber a arte dentro de nós como uma forma criativa de viver. arte no sentido de criatividade.
No artigo “Sobre a Transitoriedade” Freud nos fala sobre a difícil tarefa de contemplar a beleza que está fadada à extinção, tudo que é belo é transitório. Temos um desejo de imortalidade e talvez por este motivo, as telas, os celulares, os corpos que não envelhecem estão á favor do adoecimento psíquico. As experiências emocionais se perdem quando ao invés de, sentirmos, fotografamos ou filmamos uma cena. Muitas vezes, nem se sente o frio na barriga diante de um ator/atriz maravilhoso, o aparelho de celular se apresenta como forma de registrar para o futuro aquela cena, perdendo-se a oportunidade de eternizar dentro de nós aquela experiência emocional.
Observo as cartilhas e manuais de “como ser mãe” quando nasce um bebê. Essa é uma das formas de não entrar em contato com a angustia gerada pela bela e dolorosa experiência da maternidade. Quando as mães estão buscando vídeos, fórmulas mágicas estão perdendo a linda oportunidade de “estar com” seu bebê, oportunidade única que coloca distante a experiência daquele momento que ficará registrado na vida mental não só do bebê que está à espera de alguém que o humanize, e sim, da dupla mãe/bebê. As telas muitas vezes nos impedem de observar/sentir o essencial para cuidar a tempo de um ser que acaba de nascer, indefeso e necessitado do olhar atento.
Temos que lidar com o luto daquilo que é passageiro, como o exemplo do bebê, amamos com tanta intensidade que muitas vezes o impedimos de crescer e se desenvolver em toda sua potencialidade, os tornando reféns de nossos próprios desejos de imortalidade.
A psicanalise é uma ferramenta que para usarmos temos que tê-la afiada como os instrumentos cirúrgicos. Se não cuidarmos de nossa própria mente, não teremos como cuidar do outro. É preciso uma analise longa e profunda do analista, somos humanos e temos nossas feridas, em contato com nossas dores poderemos estar intimamente ligados a dor de quem nos procura, podendo assim promover uma vida plena de significados, concebendo que dores, dificuldades sempre existirão, o bem estar está ligado a poder “SER” o que se é em toda sua potencialidade, o que difere de “TER” tudo que desejamos!
Com esse breve texto, deixo a reflexão: cuidar da saúde mental, dos vínculos que temos de forma mais criativa pode nos levar a um futuro mais promissor como ser individual e também como seres inseridos numa sociedade, se nos sentirmos cuidados, as chances de cuidarmos serão promissoras. E tudo começa por aí: um bebê desde o ventre materno precisa do corpo e da mente de alguém para conter as necessidades biológicas e psíquicas, para que no futuro tenha a capacidade de cuidar-se e cuidar do outro, amar-se e amar ao próximo! Assim estaremos mais protegidos de adoecermos psiquicamente!
Maria Inês Alves
Psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e Membro fundador do GEP de Marília e região